PROTOCOLO ANTI-ASSÉDIO E VIOLÊNCIA: POR QUE BARES E CASAS NOTURNAS DEVEM TER UM?

A pauta da violência contra a mulher está em alta, e esse é um assunto que deve preocupar também as empresas em geral – especialmente aquelas que lidam com atendimento ao público, como bares, restaurantes, casas noturnas e demais espaços de lazer. Não se trata apenas do que é politicamente correto, ou de se adotar um selo de responsabilidade social, mas também de responsabilidade jurídica. Isso porque o estabelecimento é responsável pela segurança e atendimento eficaz de seus frequentadores – o que inclui as mulheres e o dever de protegê-las contra toda forma de violência.

Depois do caso do jogador Daniel Alves, denunciado por agressão sexual em uma boate de Barcelona ganhar repercussão midiática, a necessidade de que esses espaços tenham um protocolo claro para acolher as vítimas e preservar as provas tornou-se gritante.

No caso de Daniel Alves, ganhou repercussão o fato de que a cidade de Barcelona possui um protocolo oficial – chamado Protocolo No Callamos – que traz as diretrizes de como os estabelecimentos devem agir e cooperar com as autoridades. O respeito ao Protocolo e o devido treinamento dos funcionários foi fundamental para que a vítima pudesse ser acolhida, encaminhada para atendimento médico e policial, e para que as provas do crime fossem preservadas, culminando na prisão do jogador.

Responsabilidade jurídica dos estabelecimentos

Locais de diversão noturna são espaços de encontro e relacionamento que, como tantos outros, às vezes se tornam palco de comportamentos que impedem a todos os frequentadores de poder apreciá-los igualmente. Violência sexual ou a ameaça dela é uma das formas de limitar o acesso a espaços públicos em igualdade para as mulheres.

Nesses espaços, o clima de descontração e paquera, aliados ao consumo de bebidas alcoólicas, pode criar espaços inseguros para as mulheres. A crença social de que os corpos femininos tornam-se disponíveis ao estar nesses locais colabora para a chamada cultura do estupro, facilitando que homens se sintam no direito de cometer abusos. 

Melhor dizendo: cometer crimes. Podemos citar a importunação sexual (quando há toques libidinosos, como passadas de mão e encoxadas sem consentimento); o estupro (quando os atos libidinosos ou conjunção carnal são cometidos com emprego de violência ou ameaça) e o estupro de vulnerável (quando a vítima não tem condições de consentir com qualquer ato sexual por estar muito embriagada) como os principais delitos que ocorrem nesses espaços. Isso sem falar das demais práticas de assédio envolvendo funcionários e funcionárias dos estabelecimentos.

Prevenir, combater e acolher as vítimas é responsabilidade direta dos estabelecimentos. De acordo com o Código Civil e com o Código de Defesa do Consumidor, as empresas têm responsabilidade objetiva pelos danos causados aos clientes – isto é, respondem juridicamente independentemente de culpa. Então quando um frequentador comete violência sexual dentro do estabelecimento contra uma outra frequentadora, a casa também se torna automaticamente responsável por não ter garantido a segurança de suas clientes.

No Brasil, existem precedentes de indenizações altíssimas para bares, casas noturnas, empresas organizadoras de festas, dentre outros pela ocorrência de violência sexual em suas dependências. Por exemplo, na cidade de Santos (SP), uma casa noturna foi condenada a indenizar uma jovem em R$ 180 mil reais por um estupro ocorrido em suas dependências. 

E como fazer para prevenir que mulheres sofram violências e as empresas sejam responsabilizadas?

Protocolo de atendimento

Oferecer um ambiente de segurança para prevenir a prática de violência sexual e saber acolher as vítimas caso isso aconteça é essencial. Para tanto, a adoção de um Protocolo mostra-se de grande importância.

Apesar de o Brasil não possuir (ainda) um Protocolo oficial para bares, restaurantes, casas noturnas e demais espaços de lazer sobre como lidar com esse tipo de caso, nada impede que cada estabelecimento elabore o seu. Aliás, todos devem fazê-lo.

Primeiramente, o Protocolo deve conter a explicação básica do que é violência sexual e como ela se manifesta nesses espaços, afastando mitos e estereótipos que naturalizam práticas violentas e abusivas. Os funcionários devem ser treinados e capacitados a saber reconhecer esse tipo de conduta quando estiverem acontecendo nas dependências do estabelecimento.

Ainda, o Protocolo deve conter as instruções para atuar, tendo as ferramentas necessárias, diante das agressões, abuso ou assédio com cada uma das pessoas envolvidas – vítima, agressor e testemunhas. Deve-se ter clara a política de acolhimento, respeito à vontade da vítima e credibilidade em seu relato, bem como a política de rechaçar qualquer ato de cumplicidade com o agressor.

O Protocolo também deve ter diretrizes claras de como a Casa irá realizar a colaboração com as autoridades, sejam elas do setor da segurança pública ou da saúde.

Além disso, o Protocolo deve conter as ferramentas necessárias para promover espaços que respeitem a liberdade sexual, especialmente das mulheres e daquelas pessoas com sexualidades e gêneros não normativos. Isso pode incluir, por exemplo, a afixação de cartazes contendo a política da casa de intolerância ao assédio, a fim de deixar claro a todos os envolvidos (assediadores e vítimas) como proceder.

Para que o estabelecimento conte um Protocolo eficaz, recomenda-se a contratação de uma consultoria jurídica especializada no assunto, tal qual faz a Braga & Ruzzi Advogadas, que conta com larga experiência na defesa de mulheres e promoção de compliance antidiscriminatório para empresas.

Formação e capacitação dos funcionários

Não basta apenas elaborar um Protocolo. É preciso treinar e capacitar os funcionários para saber aplicá-los com destreza. Nem sempre é fácil reconhecer as situações de assédio e abuso, mas um bom treinamento é o que torna a política da empresa eficaz ou letra morta.

Todos os funcionários devem ser capacitados a saber agir para fazer cessar a violência, acolher a vítima, ter as ferramentas para lidar com o agressor, preservar as provas e colaborar com as autoridades.

Para tanto, recomenda-se a contratação de profissionais capacitadas na temática anti-assédio para realizar esses treinamentos.

Benefícios da Consultoria Anti-Assédio 

A Consultoria anti-assédio tem inúmeros benefícios para os estabelecimentos. Além de diminuir sensivelmente o risco jurídico – como já mencionado – a adoção de políticas firmes de combate à violência de gênero pode fortalecer a marca da empresa, atrair clientes e gerar impacto social.

A responsabilidade social já vem sendo adotada por muitas empresas como um diferencial. Ao adotar políticas de igualdade, a companhia mostra seus valores à sociedade e fortalece sua imagem no mercado. Entre dois concorrentes, os clientes tendem a optar pela marca que mais se aproxima de valores politicamente corretos e onde as pessoas se sentem mais seguras. 

Mulheres são consumidoras, e querem se sentir seguras e respeitadas nos locais onde frequentam. Saber que o bar, balada, festa que frequenta se preocupa com sua segurança, e que a organização do local agirá de forma eficaz em caso de assédio pode ser o diferencial para que elas optem por ir ou não a esse lugar.

Por fim, a imagem de uma festa, casa noturna, bar, restaurante ou qualquer outro local que se mostre conivente com a violência de gênero tende a ficar bastante manchada no mercado, especialmente com a publicização nas redes sociais. Ter uma denúncia da ocorrência de violência sexual dentro de um estabelecimento pode fazer com que as pessoas deixem de frequentá-lo, gerando incontáveis prejuízos morais e financeiros para a marca.

Conclusão

Preocupar-se com o combate à violência contra a mulher nas empresas vai muito além do que é politicamente correto. O compromisso com os direitos das mulheres, além de causar impactos positivos na sociedade, traz também inúmeros benefícios para os estabelecimentos, que se tornam mais lucrativos, competitivos, inovadores e juridicamente seguros.

Por Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, advogadas especialistas em direito das mulheres e sócias da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas

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