Todo mundo já ouviu falar da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06). Mesmo quem não tem muitos conhecimentos jurídicos sabe que “bater em mulher dá cadeia”. O que muita gente não sabe é que essa lei vai muito além de prender o companheiro ou parente que agride fisicamente uma mulher. Mais do que uma lei para punir o agressor, seu principal objetivo é o combate à violência doméstica e familiar em todas as suas formas, bem como a proteção das mulheres que estejam nessa situação. Conhecê-la é fundamental para que as mulheres se empoderem sobre quais são as possibilidades de ação diante de uma situação de violência.
A Maria da Penha é uma significativa conquista das mulheres, pois foi a primeira lei a reconhecer a gravidade da violência doméstica e familiar especificamente contra as pessoas do gênero feminino. Até então, a violência contra a mulher era tratada como crime leve e a punição para o agressor não costumava passar do pagamento de uma cesta básica. Isso porque, anteriormente, o problema era visto como uma questão privada, a ser resolvida no seio de cada família – como se percebe por aquela velha frase de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Agora, o problema foi trazido para a esfera pública, passando a ser dever do Estado e de toda a sociedade zelar pela integridade física e emocional da mulher.
Assim, a Lei Maria da Penha trouxe consigo uma série de inovações, como entender que a violência pode se manifestar de outras formas que não a agressão física, e também a criação de mecanismos urgentes de proteção à mulher e de centros de acolhimento para ela e seus filhos.
Em linhas gerais, a lei trata dos seguintes assuntos: i) o conceito de violência doméstica e a enfâse de que se trata de um problema fundado na desigualdade de gênero; ii) as diferentes formas de violência contra a mulher; iii) políticas públicas de assistência às mulheres em situação de violência familiar; iv) medidas protetivas de urgência.
Como cada um desses tópicos rende uma discussão bastante longa, trataremos deles mais especificamente em outros textos. Por ora, o importante é entender o que a lei Maria da Penha reconhece como violência doméstica e familiar, já que é para essas categorias que ela prevê os mecanismos de proteção e punição.
Violência doméstica ou familiar é aquela que é cometida dentro dos círculos de habitação ou convívio da mulher. É a violência cometida por pessoa próxima, como marido, companheiro, namorado, pai, irmão, tio ou até mesmo filho. O que define esse tipo de violência é a relação de convívio, afeto ou intimidade. Além disso, é uma violência cometida essencialmente contra pessoas do gênero feminino, o que inclui também as mulheres trans.
A violência se manifesta de várias formas e a lei prevê proteção contra todas. Não são apenas as mulheres que já estão em situação de violência que têm proteção da Lei. Até mesmo mulheres que estejam se sentindo ameçadas de vir a sofrer violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial podem e devem procurar ajuda.
A forma de violência doméstica mais conhecida é a agressão física. Empurrões, tapas, socos, chutes ou quaisquer outras condutas que causem dano à integridade física ou à saúde da mulher. Apesar dessa forma de violência ser a mais lembrada, é importante saber que as outras formas de violência, que nem sempre deixam marcas visíveis, também ganham proteção.
Ao dizer que Lei Maria da Penha protege contra a violência psicológica e moral, entende-se que ela abarca qualquer conduta que cause dano psicológico à mulher, como, por exemplo, quando o companheiro controla suas ações (aonde ela vai, que roupa ela usa, quem são seus amigos, o que faz nas redes sociais), a humilha, reduz sua auto-estima, a isola de amigos e parentes entre outras atitudes.
A proteção contra a violência sexual abrange desde o estupro e a prostituição forçada, até o controle das escolhas sexuais da mulher, como a decisão sobre uso ou não de métodos contraceptivos, de seguir ou interromper uma gravidez e quaisquer outras decisões sobre seu corpo.
Por fim, a lei reconhece a violência patrimonial, como a retenção ou destruição dos documentos pessoais, objetos de trabalho, dinheiro e outros bens ou valores econômicos, o que prejudica a possibilidade de auto-sustento da mulher, dificultando, assim, o rompimento dessa relação.
A Maria da Penha traz apenas alguns exemplos do que pode ser entendido como cada uma dessas violências, de forma que pode abarcar quaisquer outras condutas que causem dano físico, emocional, sexual ou patrimonial à mulher.
A violência de gênero é, infelizmente, bastante comum em nossa sociedade e os comportamentos descritos neste breve texto são quase que corriqueiros. Dessa maneira, ao se deparar com alguma dessas situações, saiba que há amparo legal para buscar uma proteção jurídica e reparação pelos danos.
Na dúvida, procure sempre uma advogada.
Por Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, advogadas especialistas em direito das mulheres e sócias da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas.