em decisão histórica, o stj reconheceu a economia do cuidado no cálculo da pensão alimentícia e no divórcio

O trabalho doméstico das mulheres e a economia do cuidado devem ser considerados no cálculo da pensão e no divórcio. Foi o que decidiu o STJ em dois casos paradigmáticos. Mas antes de falar sobre essas decisões, é importante a gente entender, afinal, o que é a economia do cuidado e como ela se reflete no direito das famílias.
Economia do cuidado
De forma bastante resumida, a economia do cuidado se refere ao trabalho essencial para a sustentação da vida e bem-estar das pessoas, incluindo cuidados com crianças, idosos, doentes e a realização de tarefas domésticas.
Historicamente, esse trabalho tem sido realizado de forma não remunerada e principalmente pelas mulheres. Apesar de ser um trabalho fundamental para a manutenção da sociedade, e que gera trilhões para a economia mundial, ainda é subvalorizado. Somente no Brasil, a estimativa é que se o trabalho doméstico fosse remunerado, as mulheres ganhariam, em média, R$ 834 a mais por mês. Pesquisas estimam que essa remuneração resultaria em uma massa de rendimento anual de R$ 905 bilhões (fonte: Instituto Locomotiva com base em dados do IBGE)
É claro que isso gera implicações para a igualdade de gênero e oportunidades econômicas. Por isso, o Direito não pode ficar alheio a essa realidade.
DECISÕES IMPORTANTES DO STJ
O primeiro caso (AREsp 2730897/PR) se refere à pensão alimentícia. O STJ deu uma decisão histórica ao reconhecer que o trabalho doméstico e de cuidado realizado por mães solo deve ser considerado no cálculo da pensão alimentícia. O caso envolveu uma mulher que pediu majoração da pensão argumentando que sua dedicação exclusiva à casa e aos filhos limitava sua inserção no mercado de trabalho.
Ao analisar o recurso, o ministros entenderam que atividades como preparar refeições, cuidar da casa e acompanhar a educação dos filhos demandam tempo, energia e comprometimento — fatores que impactam diretamente na capacidade da mãe de buscar outras fontes de renda. Com base nessa análise, o tribunal determinou o aumento do valor da pensão.
Já o segundo caso (Resp 2129308/SP) é referente a um divórcio. A mulher, apesar de jovem e apta ao trabalho, necessitava de um amparo para se reestruturar depois de tantos anos de casamento e dedicação à família. Por isso, pediu pensão alimentícia por um tempo. Afinal, sabemos que a recolocação no mercado de trabalho a reestruturação da vida financeira após uma separação leva tempo. Infelizmente, esse fato costuma ser ignorado pela maioria dos tribunais. Mas, desta vez, não foi.
Ela também pediu alimentos compensatórios. Trata-se de um instituto semelhante a uma indenização, que tem a finalidade de diminuir o desequilíbrio econômico-financeiro do cônjuge desprovido de patrimônio, especialmente em razão do regime de separação de bens adotado.
Os pedidos da ex-esposa foram julgados procedentes, e o ex-marido recorreu até o STJ. Na decisão final, os ministros reconheceram o direito da mulher aos alimentos, e levaram em consideração que a mulher se dedicou à família durante todo o casamento, prejudicando sua carreira como empresária. Além disso, o trabalho doméstico contribuiu para o incremento de parte do patrimônio do esposo, que não teria conseguido progredir sem a ajuda da mulher. Então os alimentos compensatórios foram dados como uma forma de indenizá-la pelo desequilíbrio financeiro logo após a ruptura da convivência de tantos anos.
E AGORA, ISSO VALE PRA TODOS OS CASOS?
Apesar da importância simbólica desses julgados do STJ, a verdade é que não temos ainda nada pacificado. Isso porque essas decisões apenas mantiveram decisões (importantes, sim) de tribunais de instâncias inferiores. Elas não chegaram a aprofundar ou debater o mérito. O STJ apenas “tocou no assunto”, de forma mais superficial, ao julgar o recurso. Não formaram súmula, tampouco foram julgadas sob o rito das demandas repetitivas.
A verdade, é que sabemos que ainda é muito árduo e difícil fazer um tribunal de primeira e segunda instância reconhecer o valor do trabalho doméstico. É por isso que é tão importante ter uma advogadas e advogados capacitados para levar esses pontos para a Justiça. É somente com a reiteração dessa argumentação que passaremos a formar uma jurisprudência mais uniforme.
Para consultar a íntegra das decisões, clique aqui
Texto por Ana Paula Braga, advogada especialista em direitos das mulheres. Direitos autorais reservados. É proibida a circulação ou citação sem atribuição dos créditos.
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